Plaft, Augusto de Campos e o risco da poesia

Plaft! - ouço de repente. Era meu filho em uma de suas estrepolias corporais. Fez uma cambalhota do sofá tentando alcançar o outro sofá e no caminho tascou um chute na parede. Assim se foi ao chão meu quadro com os postais poéticos do Augusto de Campos. O moleque assustado, antes que eu dissesse alguma coisa, solta esse oximoro: Não fiz nada, foi sem querer!

Tudo bem. A culpa não é do que cai pois é o chão que quebra tudo mesmo - já me ensinou ele um dia.

Quebrou o vidro do quadro em risco curvilíneo certeiro, nos dois lados.

Um trazia o poema Pulsar.




No verso, a mensagem do poeta para mim:
8 junho 98
Andréa:
Aqui vão (finalmente) as fotos prometidas + um press-release atualizado + um CD “Poesia é risco” (se você já tiver, dê a alguém interessado). Restam cerca de 300 na Polygram e a Funarte deve estar em entendimento com ela. Poderiam ser postos à venda nos dias do espetáculo. Esperamos q dê tudo certo. Abraços Augusto de Campos



O outro é um poema de Maiakóviski: AMO. Assim impresso no verso: Liubliú (AMO) poema anel de Maiakoviski dedicado a Lilia Iúrievna Brik. Versão tipográfica de El Lissitski(1923) c/ apliques vermelhos de A de Campos (1980)



E em manuscrito:

SP 10/2/99
Cara Andréa
Muito obrigado pela carta, cartão, presentes, Mallarmè e CD, e pelas noticias de sua batalha pela apresentação do Poesia é Risco. Torço para que dê certo algum dia. Por ora,o abraço muito grato do Augusto de Campos


Não me lembro o que de Mallarmè enviei ao poeta, nem qual CD e nem os presentes...

Mas me lembro bem da minha tentativa em trazer o espetáculo multimídia Poesia é Risco ao Rio de Janeiro. O custo era alto para uma apresentação somente. Mas, como nessa época eu achava que podia tudo, fui com cara e coragem lutando pelo projeto. O mais dispendioso era a despesa referente aos materiais, projetores, iluminação, som. Não consegui nenhum patrocínio. No palco, Augusto de Campos e seu filho, o músico Cid Campos, e mais Walter Silveira – um encontro que só assisti em vídeo, em uma das apresentações que o trio fez em São Paulo.

E da minha tentativa malograda resultaram cartas, e-mails, fotos e o projeto do espetáculo, com releases, textos diversos, programas das apresentações no exterior. E os cartões com poemas.

Um pouco antes dos cartões se espatifarem no chão, minha filha de 8 anos chega e me diz com cara de sapiência: Já sei ler aquele quadro. Foi lá e leu o Pulsar. Fiquei imaginando ela estacionada frente ao quadro desde os quatro anos de idade, tentando decifrar em segredo o poema, enquanto eu estava na correria da casa.

Aí eu disse: Isso é uma poesia. Ela: Eu sei, é porque tem estrela. Contei a ela sobre Augusto de Campos e a poesia concreta, e disso parecia ela saber melhor do que eu.

Não fiz o Poesia é Risco, mas ficou a poesia. E no seu risco, há tanto tempo na minha parede, havia estrelas. Não as perderei mais.


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