O TEATRO DO NADA - com Patricia Pinho


Teatro é um jogo. É esta a primeira regra que se aprende em qualquer curso de arte dramática. O "jogo do teatro", "não deixe o jogo cair", quem ousa dizer que nunca ouviu tais frases?

A idéia de "jogo" refere-se a algo que não é previsível: um jogador de futebol para alcançar seu objetivo tem que improvisar de acordo com situações criadas no momento de sua ação e reação dos outros. Às vezes, ele alcança a meta, às vezes não, mas a emoção e o imprevisível do jogo fazem o espetáculo.

A improvisação é a palavra principal para um ator/atriz. Um ator improvisa no momento da criação de um personagem, com o apoio da direção, da luz, do texto, e o que nós vemos são interações de todas essas linguagens. E pode ser muito interessante (mais do que alguns workshops para ator) descobrir o que é o jogo. O Teatro do Nada, no Rio de Janeiro, nos traz essa possibilidade.

A platéia é recebida pelos atores vestidos de preto. O Mestre de Cerimônias (M.C.) começa conduzindo o espetáculo, o mediador, estimulando a participação da platéia. Na entrada do M.C., o espaço do palco revela-se como uma arena de competição teatral entre duas equipes -- os times que serão escolhidos, aleatoriamente, pela platéia. Depois da definição dos times, os juizes são convidados; o jogo está para começar.

Isto é basicamente o começo de um espetáculo do Teatro do Nada, que trabalha com o método Theatresports, desenvolvido pelo diretor canadense Keith Johnstone, reconhecido internacionalmente por suas técnicas de improvisação, que inclui também o Micetro Impro (ou Maestro Impro), Gorilla Theatre, e The Life Game.

O desejo de Johnstone era ver dentre os espectadores a mesma exaltação como em uma partida de futebol ou de qualquer outro esporte. Ele ministra aulas sobre suas técnicas para uma variedade de grupos, de artistas a psicoterapeutas. Em um desses cursos, a atriz brasileira Gabriela Duvivier descobriu a técnica Impro e a apresentou a alguns de seus amigos que hoje fazem o Teatro do Nada.

O teatro esporte, uma das formas da técnica Impro, é definido por Johnstone em seu site como "uma marcha rápida, ação em jogo competitivo, que combina agudez, humor e habilidade cênica". Mas como um grupo de atores e atrizes "cariocas" o define? O que pensam a respeito?

Conversei com Patrícia Pinho, uma atriz que está no grupo desde o seu começo em 2003. Patricia nos conta sobre como começou o projeto e algo mais sobre o Nada do Teatro.

Como vocês começaram o Teatro do Nada?
Começamos muito despretensiosamente sem figurino, sem cenário, é uma confraternização entre amigos – tanto no grupo como com a platéia. E surpreendentemente – sem nenhuma divulgação, mesmo porque não tínhamos dinheiro para contratar assessor de imprensa – nós fomos conseguindo um público de boca a boca que voltava e crescia a cada semana. Até que tivemos que sair da Casa da Matriz porque no local onde apenas cabiam 30 pessoas, a gente se apertava para entrar 60 pessoas. Mas eu tenho saudades do começo na Casa da Matriz, foi super importante essa época lá. Mas era uma ralação. A gente chegava mais cedo para fazer faxina, não tinha bilheteria, o juiz era escolhido na hora, a platéia bebia e fumava durante a apresentação, era uma esculhambação deliciosa...

Como o grupo se envolveu com essa técnica de improvisação? Não parece uma tarefa fácil..

Nossos treinos eram uma festa. Nos divertíamos muito. Era difícil, quebramos muito a cabeça para entender a técnica. "Como assim, entrar no palco sem nenhuma idéia? No branco? Como assim, descartar uma boa idéia? Por que não pode ter piada gratuita? A ação dramática é a interatividade dos atores? Precisamos respeitar as regras de plataforma, rotina, quebra na rotina?" Depois tivemos uma fase que ficamos frios, técnicos e foi muito difícil retomar o frescor inicial, a espontaneidade original. Hoje nós sabemos que ainda há muito que aprender, muitos jogos para ser introduzidos no espetáculo. E a platéia hoje quer participar do espetáculo mais diretamente.

Desde o começo é o mesmo grupo? Ou teve mudanças?
Alguns integrantes do grupo como Luca de Castro, Mario Hermeto, Eliza Pragana e Vini Messias já haviam trabalhado por 5 anos no Teatro do Terror – que tinha uma outra proposta de relação com a platéia. Você se lembra? A platéia atirava chinelos de espuma nos atores... foi um sucesso incrível. Atraiu um público jovem que "detestava teatro" mesmo sem nunca ter ido. Vários atores participaram dos treinos de Impro ( era como um workshop aberto). A medida que íamos nos apaixonando pela técnica, fomos chamando os amigos. Em certo momento percebemos que tínhamos um grupo de 10 pessoas que acompanhavam desde o início e resolvemos então fechar o grupo. Deste grupo original uma atriz não está mais na Cia: a Marta Barcelos atualmente mora na Alemanha. Nós nos revezávamos inicialmente no papel do M.C. – hoje temos o Cleber Tolini que treina conosco mas participa unicamente como o apresentador e condutor do espetáculo.

Quem criou esse nome maravilhoso, Teatro do Nada?
Olha eu não me lembro exatamente quem inventou. Mas foi unânime a decisão. É uma forma popular de expressar quando algo espontâneo acontece. Simples, popular e bem humorado. A gente faz NADA há quase três anos....

Basicamente, como é formulada essa técnica pelo autor, Keith Johnstone?
A técnica é chamada Impro. Cria uma base para o autor que está em palco. Por uma estrutura simples de narrativa, nós (o grupo) decide sobre a PLATAFORMA (isso é, a situação inicial em que o personagem é), a ROTINA (ações que determinam o perfil e a vida do personagem; como uma apresentação), ROMPENDO UMA ROTINA (a coisa inesperada, o que transforma o personagem) e o FINAL (traz o personagem outra vez a uma situação estável). Usamos também outros elementos como REINCORPORAÇÃO(os elementos iniciais para a linha de história), PROMESSA (elemento que deve ser um condutor na história), MISTÉRIO (as contribuições cegas, elementos dados na cena onde o próprio autor que não criou sabem seu sentido – que é dado depois pelo grupo). Ao mesmo tempo, há um treinamento para o ator que está em palco, então ele/ela pode confiar em ele/se e recebe totalmente envolvido na história. Nessa técnica não há nenhumas hierarquias, o ator deve estar aberto a "escuta" e incorpora cada e qualquer idéia sugerida para a cena. O "idéia boa" não é a seu o seu, mas para a reação de seu sócios, isso cria outra reação, criando uma história coletiva na frente da platéia (isso inevitavelmente ora acontecer algo errado e vibra quando os mistérios são resolvidos). Trabalhamos basicamente com o conceito de ACEITAÇÃO (o tudo vazio que vem de seu sócio será uma salvação) mas não o BLOQUEIO (onde ator/atriz recusa a outra idéia; ele/ela para a história nem impõe o própria idéia). E se temos uma cena monótona, a ator/atriz pode ABANDONAR o navio, ou seja, simplesmente senta-se.

Quem cria as propostas de jogo?
A estrutura dos jogos são criados pelo Keith. Por exemplo: temos o jogo da história frescobol (a tradução é totalmente livre) onde dois atores contarão uma história como se fossem uma única pessoa mas cada um só pode falar uma palavra por vez. Daí há uma infinidade de histórias que são criadas pelos improvisadores: atores e técnicos. Não há hierarquia. Não há nada pré-estabelecido além disso. Há o desafio da noite. Por exemplo: Um grupo desafia o outro a fazer a "melhor história dentro do corpo humano" . O grupo desafiado recebe o tema e cria a história, depois o desafiante é que prova do próprio veneno. E a platéia "vota" de acordo com sua preferência pessoal.

O que é o ator nesse tipo de técnica? Um apresentador, um jogador, um performer?

Ele se aproxima do performer. Ele é autor do discurso produzido naquele instante. Mas ao mesmo tempo está revestido com a máscara da personagem. É uma formação diferente de tudo que já participei. Porque você pode ser um ator habilidoso e improvisar com facilidade mas nesse caso o que nos importa não é o brilhantismo pessoal. Somos um grupo que criamos HISTÓRIAS de forma espontânea. Para mim, é um grande exercício de generosidade e troca. Estamos em risco o tempo todo. Precisamos estar abertos às propostas sem medo.

Na improvisação há 50 por cento de chance de dar tudo errado. De ser desinteressante para a platéia. Mas se ficamos preocupados com o risco, ficamos com medo e bloqueamos. O treino é feito para que a gente aceite correr o risco, estarmos à disposição do coletivo. A platéia se diverte vendo o ator em risco, briga com o juiz quando discorda dele. Comemora o placar final se "seu time" escolhido venceu a competição. Para nós o placar não importa, o que importa é se a noite valeu o ingresso. Keith na atual sede dele no Canadá, o Loose Moose devolvia o valor do ingresso quando não gostava da apresentação e o público fazia questão de pagar mesmo assim.

Nessa técnica de Impro, há um "diretor"? O MC faz esse papel?
Geralmente sim. O treinador, o diretor e o apresentador são a mesma pessoa. Não é nosso caso. Nos revezamos nessas funções. O diretor geral da Cia é o Luca de Castro. Mas todos nós participamos das decisões e sugestões e nos revezamos na função do treinador. Entretanto, nossos juizes convidados são atores, diretores, iluminadores, enfim diversos profissionais do meio teatral que vem dar a sua opinião e julgar a performance. Já participaram dessa função: Carol Castro, Heloisa Perissé, Geraldinho Carneiro, Bosco Brasil, Aurélio de Simoni, Alexandra Richter, Antonio Pedro, Ricardo Petraglia, Alexandre Régis, Maria Clara Gueiros, Alice Borges, Claudia Borioni, Roberto Alvim, Cláudio Torres Gonzaga, Luiz Salém, Gabriel Moura, Flavio Bauraqui, Buza Ferraz, Caíque Botkai, Claudia Rodrigues, Marcius Melhem, Leandro Hassum, Karen Aciolly, Clarisse Niskier, Eduardo Wotzikc, Ricardo Kosovski, Lady Francisco, Aluízio de Abreu, Nizo Neto, Danny Carlos, o pessoal do "Z.E.", o pessoal do "Surto", o pessoal dos "Suburbanos", Henrique Tavares, Jaqueline Laurence, Cristina Bittencourt, Marcio Libar, Sura Berditchevsky, entre outros.

Quais são os outros grupos no Brasil que trabalham com essa técnica de Johnstone? Há um certo intercâmbio entre eles?
Sociedade Pro-Projeto Teatral Dano-Brasileiro (http://www.teatroesporte.com.br) . Nós já tentamos um contato com a Vera Achatkin – que é a diretora. Temos muito interesse de fazer um encontro e estabelecer uma troca entre as Cias. Tem a Companhia Curitibana de Comedias. Nós não temos o contato desse grupo. A Cia de Teatro Contemporâneo está trazendo agora o Ricardo Behrens, um argentino que participa da Liga Profissional de Improvisação para fazer um treinamento com atores brasileiros. Eventualmente há uma troca de experiências através de um forum de discussões via yahoogroups. Mas ainda é bastante remota a nossa participação. Estamos ainda engatinhando, há intercâmbios entre países. Competições entre diversos grupos. Além dessa liga latino-americana, existe grupos de improvisação em todo o mundo.

O grupo inteiro é graduado em Faculdade?

Quase todos. Dos nove, somos 7 formados pela UNIRIO "contra" 2 formados pela C.A.L. Cléber, que é de São Paulo é formado pela FUNDARTE.

Você trabalha só como atriz no Nada?
Todos nós participamos da organização e da desorganização também. Todos tem o seu papel, suas funções. E isso é um rodízio. Comecei com a função de bilheteria e administração (além de atriz). Vendia os ingressos, fechava a porta, ia pro palco e depois da peça pagava as dívidas... Até que cansei de fazer contas, o Vini assumiu a administração desde então. Já fui distribui mailing na entrada. Já fui da equipe de montagem, desmontagem. Hoje participo da equipe de produção e divulgação. Participamos também de outros projetos. Eu, o Éber e o Ivan fazemos parte do MOVIMENTO DA NOVA DRAMATURGIA BRASILEIRA.

Vocês estão ministrando oficinas?

Nós temos vários formatos de oficinas. Em diversos locais, com formatos e durações distintas. Temos oficinas e workshops para adolescentes, jovens, adultos e só para atores. Brevemente queremos montar uma oficina para crianças. Temos a vontade de no futuro cada um ter seu time de Impro e competiríamos entre nós, formando uma Liga Brasileira.

Quais são os projetos do futuro do Nada?

Depois do Teatro do Leblon, fizemos uma temporada no Hipódromo Up e em abril estaremos reestreando no Teatro do Jockey numa temporada de dois meses. No momento, estamos preparando o segundo espetáculo da Cia de Teatro do Nada que se chamará NADA CONTRA. Estaremos com outros jogos e regras. A equipe se mantém a mesma.
Fotos: Eduardo Pereira

COMPANHIA TEATRO DO NADA
www.teatrodonada.com.br
contato@teatrodonada.com.br

Direção de Produção - Cia Teatro do Nada.
Direção Artística - Luca de Castro.
Produção - Cia Teatro do Nada.
Produção Executiva - Vini Messias.
Assistente de Produção Executiva - Juliana Pamplona.
Improvisador na luz - Apolo Pinto e Aurora dos Campos.
Improvisador no som - Ivan Fernandes.
Elenco Cia Teatro do Nada - Atores improvisadores
Ana Ribeiro, Ana Paula Novellino, Cláudio Amado, Éber Inácio, Elisa Pragana, Luca de Castro, Mario Hermeto, Patrícia Pinho,Vinicius Messias, Cleber Tollini.

ANOTE
Teatro do Nada
de 03 de abril a 30 de maio, 2006
terças-feiras, às 21h.
Teatro do Jockey - Centro de Referência do Teatro Infantil (RJ)
Rua Mario Ribeiro, 410 – Lagoa (estacionamento gratuito)
Rua Bartolomeu Mitre, 1110 (entrada para pedestres)
Telefax: 21 2540-9853

Originalmente publicado na revista Scene4.

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