O Cicisbéu!
Chichisbeo ("ch" pronunciado como "qu") em italiano, Cicisbéu em português – essa palavra estranha a nossa língua refere-se a um papel social bastante comum entre os nobres italianos.
O Cicisbéu era um homem que acompanhava uma dama casada em suas horas de lazer – com o aval do próprio marido e, em alguns casos, escolhido por ele. Era companheiro de passeios, idas à restaurante, teatro, igreja, qualquer evento diurno, mas nunca noturno. Quando o marido trabalhava e , assim, se afastava da vida em comum com a esposa, ou quando esse marido não queria manter uma vida social, o Ciscibéu estava presente.
A Ciscibeatura ou o cicisbeísmo era comum nos séculos XVIII e XIX, principalmente entre os nobres das cidades italianas de Genova, Veneza, Nice, Florença e Roma. Não somente na Itália. O petit maître entre os nobres da França e o Cortejo na Espanha representavam esse mesmo papel.
Era uma prática aceita e bem recebida pelos maridos. Toda dama casada, de boa condição financeira, tinha o seu. O poeta inglês Lord Byron, no poema Beppo - A venetian story, retrata esse personagem real. Escrito em Veneza em 1818, o poema foi inspirado na própria experiência de Byron pois ele havia sido um Cicisbéu.
Através da história da veneziana Laura e do seu marido Beppo (Giuseppe) que não retorna no prazo esperado de uma viagem à trabalho, Byron desenha o seguinte retrato desse amante oficial das damas do século XVIII e XIX: o Cicisbéu era como um escravo designado a estar perto da dama como seu próprio vestido. A palavra da dama é a única lei a qual ele obedece. Se ela precisa de um coche, ele irá providenciar e ainda carregará as luvas e o casaco da moça. Era um cavalheiro amoroso e fiel, do jeito que nenhuma dama poderia reclamar, um verdadeiro herói. Fazia poesias, contava histórias, um amante da escola antiga.
Depois de chorar por noites a falta do marido, a dama casada Laura e seu Cicisbéu passam a viver prazeres de grande liberdade - diz Byron. O Cicisbéu da veneziana Laura conhecia música, dança, fazia críticas de ópera, falava francês e entrusco como poucos na própria Itália. Laura acaba se reconciliando com seu marido que se torna amigo do Cicisbéu. E essas pazes não eram somente na literatura. O marido e o Cicisbéu se relacionavam sem conflitos e se alguém censurasse esse costume era mal visto pela comunidade.
Além do poema de Byron, encontramos a figura do Cicisbéu em duas óperas cômicas de Gioacchino Rossini: L'Italiana in Algeri e Il Turco in Italia.
Alguns historiadores creditam a uma certa emancipação da mulher o surgimento desse "membro" das famílias nobres; outros acreditam que esse "marido standby para as horas de lazer e recreio" era uma figura fundamental para que se mantivesse a propriedade e a riqueza entre selecionadas famílias. E em qualquer família, mulher calma e feliz é garantia de um futuro seguro, para prole e marido.
Parece que essa coisa funcionava bem. Poderíamos absorver esse costume dos nobres europeus da Renascença, que perdurou até o século XVIII, já que absorvemos com verdadeira promiscuidade práticas culturais alheias a nós, como o halloween.
Viva o chischibéo... também quero o meu!
Imagem da revista Le Beau Monde, or Literary and Fashionable Magazine, 1808