FALTA CALOR: A GRIPE E AS FEBRES



Falta calor. Mas não falta motivos para não sairmos de casa: a gripe A ou gripe suína ou gripe H1N1.

Não é esse um isolamento silencioso, é ruidoso, aquele que nos mantém sob a distância defensiva dos corpos e calores. Uma menina não pode mais ir ao teatro ou ao cinema nas férias. Como diversão, uma TV de tantos canais, computador e brincadeiras na varanda para quem tem varanda. O parquinho do play junta muita criança, não é seguro. Ela pode ficar doente – diz a mãe cautelosa. E a gripe ainda é a de letra A. Temos um alfabeto inteiro pela frente. O H ainda é o 1, há uma ordem numérica infinita para lidar.

Mas restam as ruas que devem ser o maior motivo para não ficar em casa. Ao ar livre é mais seguro, dos vírus, não dos vermes. Parque Lage, Jardim Botânico, Quinta da Boa Vista ou a pracinha da esquina. Nada de aglomerações. Nada de toques, a não ser os “toc”. Nada de espirros, nem que sejam os alérgicos à pólen. Os alérgicos que vivem espirrando a qualquer mudança de tempo estão sob vigilância constante do meio.

Estamos todos em sobressaltos e com mais motivos. Temos que lavar as mãos incessantemente, várias vezes ao dia, com sabão e gel antisséptico a base de álcool. Roupas usadas na rua vão direto para a lavanderia, para serem lavadas com água quente. Desinfecções múltiplas. Nada de toques, somente os “toc”, mais uma vez.

O motivo para o isolamento: o medo. O medo do outro, dos vírus e bactérias do outro. Da boca, do desejo do outro. Do toque do outro. Nada mais moderno, nada mais característico da era de Aquário que fará algo novo surgir. E surge. Mas o quê? Globalizado, emoldurado em forma de um vírus ou de uma epifania. 

Um dia, quem sabe, abriremos as portas e janelas, desligaremos o ar-condicionado. Voltaremos a construir sobrados de pé direito altíssimo. Andaremos de bicicleta, de ônibus ou a pé. Sempre de janelas abertas, os fechados seremos nós. Talvez nos abriremos um pouco.

Os vírus e as eras mudam, mas os medos continuam os mesmos. A diferença é que hoje temos um endereço IP. Os dias estão cada vez mais frios. Fiquemos atentos.

Imagem do topo: Do filme de Salvador Dali e Luiz Buñuel, "Un chien andalou" (1929), porque só com muito surrealismo para aguentar tudo isso.

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