Antonia Rosa e sua filha Maria, preta retinta




Quando Calypso era só nome de um navio a vapor (chamado "paquete a vapor") e o Circo Olympico da Companhia Bartholomeu apresentava seu espetáculo acrobático, equestre, ginástico e coreográfico no Pavilhão de uma fábrica de cerveja da Rua da Guarda Velha, pertinho onde hoje é o Theatro Municipal do Rio de Janeiro; quando uma orquestra de músicos alemães tocava no Café do Passeio Público e no baile familiar do Salão de Santa Thereza, e quando São Cristovão tinha um teatro, fugia pelas cercanias do que hoje é o bairro da Tijuca, a escrava Antonia Rosa de vestido riscadinho azul e branco com sua filha Maria, de 3 anos. Sorrateiramente, com olhos grandes e assustados, fugindo da luz da lua, pois o que mais Antonia Rosa quer é se esconder, se misturar ao escuro. A menina, preta retinta, olha assustada a correria da mãe, agarra-se a seu peito.

Logo em breve, o seu dono manda procurá-la, e publica o seguinte aviso no Jornal do Commercio, dia 06 de abril de 1867, na mesma 4a página onde há também o anúncio de venda das nojentas bichas-monstro da Rua do Ouvidor:

50$000
Fugio no dia 19 de fevereiro proximo passado, da rua do Campo Alegre n 20, Engenho Velho, uma escrava de cor preta, levando vestido de riscadinho azul e branco, de nome Antonia Rosa, olhos grandes, altura e corpo regulares, com uma filha de 3 anos de nome Maria, de cor preta, muito retinta, olhos grandes e pernas arcadas, consta que se tem oferecido a alugar; protesta-se com o rigor da lei contra quem a tiver acoutada, assim como gratifica-se com a quantia acima a quem a levar a casa mencionada ou a rua de S. Pedro n 7.
A recompensa era interessante, seis meses de assinatura do Jornal do Commercio valia 12$000, só para termos uma idéia. Uma tinta de cabelo, 3$ - assim encontramos no anúncio logo abaixo ao que expunha a público a fuga de Antonia Rosa. Não havia a menor distinção, coisa é coisa. Para comprar a tinta, ia-se a mesma rua de S. Pedro, demolida com a construção da Avenida Presidente Vargas em 1943, e que seguia da Candelária até onde hoje é o Saara.



CABELOS PRETOS - A pomada de marfil faz o cabelo preto e o conserva colorido
por mais de uma semana, não suja a cabeça, nem escorre com o suor, em sua
composição não entra uma só partícula nociva à saúde. 3$; a dúzia, 30$ na Rua de
São Pedro 104c
O que terá acontecido com essas duas mulheres negras soltas na noite? Antonia Rosa e sua filha Maria de 3 anos, preta retinta de pernas arcadas?

O anúncio se repete por vários dias seguidos. Tomara que à Rua de São Pedro tenha ido somente aqueles que desejassem a tal tinta preta retinta de cabelo que não escorre com o suor.

Espero que ninguém nunca as tenha encontrado, além de mim - 148 anos depois da sua fuga.



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