A peça "Meu Caro Amigo" ou a arte de ver com os olhos livres


Fui à estreia de Meu caro amigo, com direção de Joana Lebreiro, texto de Felipe Barenco e atuação de Kelzy Ecard. Quando Kelzy me disse que era um monólogo musical , fiquei curiosíssima. Ainda mais sendo a Kelzy uma atriz que sabe tomar conta do palco e da plateia.

Saí do teatro feliz, emocionada e com um enorme sentimento de prazer. No final, lembrei do meu pai, da memória das coisas fugidias. O único peso era na garganta... do choro que não tive coragem de soltar. Achei tudo muito bom de se viver, sim, vivemos toda aquela história de Norma, a personagem, como se fossse a nossa própria história. E Kelzy... a atuação Kelzy justifica todos os festejos que se vem fazendo em torno do seu trabalho.

A peça é um monólogo mas não acho que seja um musical, conforme anunciam. É uma historia contada pela verve dramática de uma mulher de 52 anos cujos acontecimentos da vida poderiam ser pautados pela música de Chico Buarque em suas diversas fases e épocas. A personagem é uma fã apaixonada pelo compositor e toda essa sua paixão se justifica por meio das canções e das relações que essas canções estabelecem com os fatos da vida pessoal da personagem e do próprio país. Se tivesse que forçar uma crítica, seria isso, acho que não poderia se intitular um musical, até porque o número de canções é mínimo, o texto supera as canções.

Mas isso não faz a MENOR diferença.

Fato é que, verdade seja dita, nos tornamos foi fã de Norma... E sendo Chico Buarque tão retratado no teatro, dessa vez a sua obra serviu a um espetáculo único.

A crítica não gostou muito... Deixou de ver com olhos livres. Só a Kelzy se salvou... Fico imaginando a cabeça da critica avaliando tudo em compartimentos isolados, o texto, a luz, a atuação.

O contraditório é que se há o bom trabalho do ator é porque todos os trabalhos se juntaram de forma harmoniosa e competente. Já vi trabalhos horríveis, aliás é o que mais se tem por aí, e mesmo um ator ou atriz sendo ótimos, saímos do teatro com um peso nos pés. E a garganta leve... Não se salva nada. No teatro, quando algum trabalho é ruim massacra as possibilidades e talentos dos outros.
Acho que os olhos críticos estão presos, na contramão daquele comando do "Manifesto da Poesia Pau-Brasil", de 1924, que Oswald de Andrade escreveu:

Nenhuma ferramenta para a contemporânea expressão do mundo. Ver com os olhos livres.
Acho que a crítica de teatro no Rio de Janeiro, pelo menos, tem que começar a abdicar das ferramentas...

De minha parte, espero nunca perder meus olhos livres. Caso contrário, jamais apreciarei um belíssimo espetáculo que enche de liberdade a nossa vista e nossa esperança, como é o caso da atriz, da diretora, do autor, do iluminador e de todos que fazem esse Meu caro amigo.

KELZY ECARD com o piano de João Bittencourt; direção - Joana Lebreiro; texto - Felipe Barenco; direção musical - Marcelo Alonso Neves; cenários e figurinos - Ney Madeira; iluminação - Paulo Cesar Medeiros; direção de movimento - Thais Tedesco; preparação vocal - Pedro Lima; programação visual - Leonardo Miranda; diretora assistente - Viviana Rocha; assessoria de imprensa - João Pontes e Stella Stephany; produção executiva - Chayanna Ferreira; direção de Produção - Estela Albany; assistente de direção - Marilia Lattaro; assistente de produção - Camila Rhodi


Meu Caro Amigo"a história de uma fã embalada pelas canções de Chico Buarque
estréia 13 de janeiro, até 5 de abril
Teatro do Centro Cultural Correios
Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro / RJ (ao lado do CCBB- RIO)

R$15,00 e R$7,50 (meia entrada)

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