FLIP E O BAILE DE CASACAS ALUGADAS

CONFESSO: apesar de toda minha relação profissional-afetiva-criativa com o mundo da literatura e dos livros, eu nunca fui à Festa Literária de Paraty. Já fui à Paraty algumas vezes, mas não à FLIP.

Paraty foi onde a grande Maria Della Costa escolheu viver depois da sua importante carreira em nosso teatro. Montou na cidade seu hotel, o Hotel Coxixo, Aliás, ouvi falar de Maria Della Costa pela primeira vez quando lá estive aos 14 anos.

Mas Paraty ficou famosa e não pela Maria Della Costa, ou pelo teatro, mas pelos livros, mesmo sem uma livraria.

Todo e qualquer evento envolvendo a literatura tem uma importância deveras em um país que assumiu a história de uma cultura sem leitores. Acredito mesmo que poucos leem, se assim não fosse, venderíamos mais livros, teríamos plateias, lidaríamos melhor com questões da norma culta da língua e escreveríamos melhor, certamente.

Mas a FLIP aí está. E pautou Fernando Henrique Cardoso para falar de Gilberto Freyre em pleno ano eleitoral. Difícil acreditar no acaso.

Bem, com todo o poder que me dá o meu anonimato e declarando mesmo que eu nunca fui à FLIP, poderia arriscar-me numa certeza: 99 por cento das pessoas que estão lá assistindo às palestras, por 40 reais cada, não sabem quem é Terry Eagleton, nem leram uma linha sequer de Lionel Shriver, muito menos um capítulo do Casa Grande do Freyre...

É muita casaca alugada, como diria Machado de Assis:

Sim, considerei a vida, remontei os anos, vim por eles abaixo, remirei o espetáculo do mundo, o visto e o contado, cotejei tantas coisas diversas, evoquei tantas imagens complicadas, combinei a memória com a história, e disse comigo: - Certamente, este mundo é um baile de casacas alugadas.(MACHADO DE ASSIS, "A Semana", 11 de junho de 1893)




Casacas alugadas são necessárias, quem não tem as suas? Mas penso aqui nesse fenômeno quando as coisas viram moda. E moda é o que primeiro se vê, é uma superfície. Superfícies escondem o fundo das coisas, mas tudo fica mesmo é no aluguel de casacas.

Rabugice? Talvez. Fato é que essa minha rabugice começou quando descobri que perdi a chance de me encontrar com Lionel Shriver, autora de The post birthday world, que estou lendo em êxtase nesse momento.

Resumo desse bla bla bla meu aqui: a FLIP é pop, quem dera os livros, a literatura e nossos autores fossem o mesmo. E ano que vem vou alugar minha casaca e partir para Paraty. Talvez não seja nada disso. Talvez a única casaca alugada seja a minha mesmo.






IMAGEM: A casaca no topo do texto é de 1828 e pertenceu ao Barão de Sorocaba. É feita de lã bordada com fios de ouro e de prata.

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