o meu GRANDE SERTÃO
Selecionei
alguns trechos, epígrafes, frases que deveriamos espalhar pela casa e pelos corredores e sertões por onde passamos.
"Vida devia de ser como na sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho."
"Quem é pobre, pouco se apega, é no giro-o-giro nos vagos dos gerais, que nem os pássaros e rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: - "Zé-Zim, por que é que você não cria galinhas de angola, como todo o mundo faz?" - "Quero criar nada não" - me deu resposta: - "Eu gosto muito de mudar..."
"Mas a vida não é entendível"
"Sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando, mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois."
"Só um bom tocado de viola é que podia remir a vivez de tudo aquilo"
"Compadre meu Quelemém, muitos anos depois, me ensinou que todo desejo a gente realizar alcança — se tiver ânimo para cumprir sete dias seguidos, a energia e paciência forte de só fazer o que dá desgosto, nojo, gastura e cansaço, e de rejeitar toda qualidade de prazer. Diz ele; eu creio. Mas ensinou que, maior e melhor, ainda, é, no fim, se rejeitar até mesmo aquele desejo principal que serviu para animar a gente na penitência de glória. E dar tudo a Deus, que de repente vem, com novas coisas mais altas, e paga e repaga, os juros dele não obedecem medida nenhuma."
"Viver perto das pessoas é sempre dificultoso, na face dos olhos"
"A colheita é comum, mas o capinar é sozinho."
"Qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
"Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça dos demais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou - amigo - é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é."
"Meu corpo gostava do corpo de Diadorim."
" Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares.(...) A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. (...) Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe; e se sabe, me entende."
" O senhor... Mira veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas -- mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. "
"O senhor ache e não ache. Tudo é e não é ..."
"Passarinho que debruça – o voo já está pronto."
"Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração."
"Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa."
"Deus é paciência. O contrário é o diabo."
"A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?"
"Quem-sabe, a gente criatura ainda tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens é mandando por intermédio do dia?"
"O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo."
"Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito."
"Quem desconfia fica sábio."
"Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão."
"Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência."
"O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada."
"Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem."
"O jagunço Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui. Não fui! – porque não sou, não quero ser."
"Eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! (...) Este mundo é muito misturado ..."
"Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho de Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente."
"A morte é para os que morrem."
"A vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Vida devia de ser como sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho."
"Preto é preto? branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade."
"No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!"
"Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera."
"O bom da vida é para cavalo, que vê capim e come."
"E sei que em cada virada de campo, e debaixo de sombra de cada árvore, está dia e noite um diabo, que não dá movimento, tomando conta."
"Tudo que é bonito é absurdo – Deus estável."
"Liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões."
"Sertão é o sozinho."
"Sertão: é dentro da gente."
"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende."
"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."
"Tudo que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito."
"Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor."
"Para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece."
"Obedecer é mais fácil do que entender."
"Tive medo não. Só que abaixaram meus excessos de coragem."
"O sertão é sem lugar."
"Rir, antes da hora, engasga."
"Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só fazer outras maiores perguntas."
"Somente com a alegria é que a gente realiza bem – mesmo até as tristes ações."
"O senhor sabe o que é silêncio é? É a gente mesmo, demais."
"Sério, quieto, feito ele mesmo, só igual a ele mesmo nesta vida. Tinha notado minha ideia de fugir, tinha me rastreado, me encontrado. Não sorriu, não falou nada. Eu também não falei. O calor do dia abrandava. Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha uma velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a ideia da gente não dá para se entender – e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto: – Que você em sua vida toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!... – que era como se Diadorim estivesse dizendo. Montamos, viemos voltando. E, digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhuma, eu nunca tive vontade de rir dele."
"Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego".