AQUILO, ISSO E AQUELE OUTRO




Por que  é tão difícil se livrar das próprias quedas? Dessas coisas que acontecem e a gente fica jogada na marquise pensando: mas era pra aprender? Por que foi tudo tão simples, tão do acaso, tão preparado para ser uma redenção e não foi? Por que foi assim desse jeito? É quase constatar uma cegueira temporária a todos os eventos, um desejo enorme de esquecer vem a reboque mas não se esquece. É utópico esquecer... e quanto mais se quer se livrar das lembranças, mais aparecem coisas e coisas que nos levam de volta. Uma foto na revista, por exemplo, no consultório do ginecologista, assim, aberta ao acaso, que joga na cara aquela dor, aquela porcaria de dor que jamais deveria ter existido. Mas se existiu, por quê? Para quê? Para nos tornarmos mais fortes? Para que mais fortes pois as ondas serão sempre as mesmas? Fortes e levando ao fundo, se tiver que levar.

Algo que funde dois nomes de pessoa, mas  é nenhum.

Ela observa sem nenhum risco de emoção o pedaço de alimento sobre a mesa  que pensa sobre a mesa e fala sobre  a mesa palavras e palavras em versos. Ela observa e só, a moça sentada, prestes a fagocitá-la crua sem temor de sua cor vermelha, do perigo de sua natureza nua, ela pensa e pensa e pensa. Jamais imaginariam quanto pensamento naquele volume, um pacote vermelho sobre  a mesa deixado não sei por quem que ela observa com fome e roncos na barriga e imaginando receita, temperos, tempuras a sua massa  também puta e ela ali.

Depois de pensar, ela vê com certa violência uma raiva da vida. Uma raiva divina pois a raiva do sagrado-vida é como a maçã também vermelha e branca do paraíso, daquele momento primeiro certeiro. A água vermelha do pacote desce em três gotas pela mesa e desce e cai sobre ela, seu colo fértil e inútil, e ela observa e observa sem fazer nenhum grito, nenhum movimento pois de nada adiantaria um gesto de repulsa. Era como algo ali nascendo, um feto, um verbo, algo sangrando ali nascendo, descendo dela.

Ela fica  ali, as horas passam, a forma fétida vence e ela ali.

Ela observa sem nenhum risco temendo, o pedaço de alimento sobre a mesa que  desdiz mais do que diz, sobre a mesa fala com ela sobre  a mesa palavras e palavras em versos e versos de amor.

Ela ouve e observa ali, carente pela vida.




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