TEATRO


E era coisa bonita de se ver e ouvir. Quando Rosa Maria falava, podia ser dia, podia ser noite, era coisa bonita de se ver e ouvir. E Seu Roma sentia tudo e se derretia todo. Os olhos claros, a pele clara, os cabelos claros da moça culminavam em um tom florescente que coloria a redondeza, nos intervalos da tarde.

Iluminava a noite, o quartinho escuro e empoeirado, onde escondidos os dois se amavam e riam -- riam de si e da vida ridícula de cada um de nós e deles próprios. Assim começava “A Incrível Epistolar História do Romance de Seu Roma e Dona Rosa Maria no Interior de Algum Lugar Muito Distante”.

Era uma história de muita paixão e como toda paixão tem um final triste, aquela não era diferente. Teve final trágico, dolorido, triste e turbulento.

Por dias e dias o povo da Vila de Maio seguia depois da missa à casa de Seu João e Lino. Velhos, jovens, crianças, mulheres e homens ficavam ali sentados, na grande sala do Solar, assistindo ao desenrolar rocambolesco do enredo do jeito que as gentes da cidade grande grudam os olhos na televisão, em noite de capítulo final de novela.

E assim ficava aquela gente por tempo mais do que o esperado. Um dia, a história acabou e uma grande verdade foi anunciada: “Essa é uma história cheia de nós e quiprocós que foi cantada, contada e inventada pelas magias do artista. Uma história antiga de quando andávamos de cidade em cidade com o Grande Circo Carmello”.

O mundo ficou contra o velho João e seu sobrinho Lino. Não havia maneira daquela gente aceitar que tudo aquilo da Dona Rosa Maria e do Seu Roma não acontecera de verdade do jeito que foi contado e cantado na narrativa por dias e dias a fio. O senhor sabe que tem coisa nessa vida que a gente tem que ver para crer, mas as verdadeiras, primeiro a gente crê e depois é que vai ver acontecendo. E aquela gente estranha da Vila de Maio não conhecia ficção nem realidade pois aquele era um lugar onde coisas incríveis aconteciam.
Lino e Seu João foram insultados de vários jeitos:

“Quem vocês pensam que são? Vir aqui na nossa Vila contando uma coisa dessa e fazendo todo mundo chorar e acreditar! Nos poupe de suas atrações de comediante! Não precisamos de atores aqui! Os senhores estão expulsos dessa Vila! Fora! Seus meias-tintas!”.

Seu João silenciava. Mas Lino saiu em defesa: “Ora vocês! Parem de gritar. Meu tio é um artista! 80 anos de vida e 70 de arte! E o que vocês são? Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que eu sou um boneco! Seu João é ventríloquo”.

Pronto. Não se ouvia mais nada. Todos calaram-se consternados. No meio da multidão, um teve coragem e com a voz embargada segurando choro disse: “Ventríloquo! Como assim?! Deus! Nem deu pra perceber!! E agora?! Que é que a gente faz?”.

“Comigo ou com a vidinha pequena de vocês?!” – respondeu Lino.

A multidão se dispersou. Todos sabiam agora que qualquer história sempre leva alguém a algum lugar. E nenhuma história fará tanta gente ficar com o pé fora do chão por muito tempo. Seu João ficou ali, na soleira da porta, vendo cada um ir para casa, e olhava a montanha. Enquanto isso, Lino se virava para o céu e pensava resoluto: amanhã eu conto outra.


texto de Andrea Carvalho Stark, 2007

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